quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Entardeceres é o c...

A Internet é uma praga. E um dos seus maiores vírus é o poema “ Instantes” incorretamente atribuído a mim. Gostaria saber como esse ato apócrifo começou. Deve ter sido alguém que, ao ler o poema (sic) gostou muito de ser auto-ajudado e resolveu passar a adiante. Como não quis ser julgado por sua baixa erudição tascou logo abaixo, ao som de cornetas e taróis, Jorge Luis Borges.

Seja lá quem fez isso , que sacanagem, porque você não atribuiu a autora a Paulo Coelho, Rhoda Byrne do livro O Segredo? Eles teriam gostado. Se ao menos eu tivesse levado o crédito financeiro, até que eu ia começar a achar esse poema profundinho.

Esse blog é monotemático. Se destina unicamente a provar que “ Instantes” não é de minha autoria. Abaixo faço uma leitura comentada que dissipará qualquer dúvida sobre essa farsa.

"Se eu pudesse novamente viver a minha vida,
na próxima trataria de cometer mais erros.
Não tentaria ser tão perfeito,
relaxaria mais, seria mais tolo do que tenho sido.

Acho que vou vomitar. Segura a onda, Borges, ainda é cedo. O poema recém está começando. O autor queria cometer mais erros? esse poema não é suficiente?
Esse papo de se referir a si mesmo como tolo é bajulação de platéia.


Na verdade, bem poucas coisas levaria a sério.
Seria menos higiênico. Correria mais riscos,
viajaria mais, contemplaria mais entardeceres,
subiria mais montanhas, nadaria mais rios.
Iria a mais lugares onde nunca fui,
tomaria mais sorvetes e menos lentilha,
teria mais problemas reais e menos problemas imaginários.

Menos higiênico? Vai ver que foi por isso que a academia sueca não me deu o Nobel.
E que história é essa de contemplar mais entardeceres? Alguém lembra do meu problema de visão? Sorvetes? Nunca neguei um Freddo de Dulce De Leche granizado e lentinha só finjo que como no Ano Novo. Problema real ao invés de imaginários? Esse autor é um suicida ou repórter.

Eu fui uma dessas pessoas que viveu sensata
e profundamente cada minuto de sua vida;
claro que tive momentos de alegria.
Mas se eu pudesse voltar a viver trataria somente
de ter bons momentos.

Só bons momentos? Ah, eu queria saber como é que se faz isso. Nem uma febrinha, uma dorzinha de dente, uma cantada que não deu certo, uma frase que dá vergonha? Um banzo pela derrota do time, um tédio de final de domingo? Vou parar aqui antes que alguém acha que isso é um outro poema.

Porque se não sabem, disso é feita a vida, só de momentos;
não percam o agora.
Eu era um daqueles que nunca ia
a parte alguma sem um termômetro,
uma bolsa de água quente, um guarda-chuva e um pára-quedas e,
se voltasse a viver, viajaria mais leve.

Eles esqueceu de citar minha bengala. Esse sujeito, além de não pregar a profilaxia, sugere que as pessoas não meçam sua febre quando enfermos, que não usem artefatos como bolsa de água quente durante uma cólica e que pratiquem o pára-quedismo apenas uma vez na vida.

Se eu pudesse voltar a viver,
começaria a andar descalço no começo da primavera
e continuaria assim até o fim do outono.
Daria mais voltas na minha rua,
contemplaria mais amanheceres e brincaria com mais crianças,
se tivesse outra vez uma vida pela frente.
Mas, já viram, tenho 85 anos e estou morrendo"

Amigo, já caminhou em Buenos Aires. Já viu o que tem de caco de vidro nas calçadas para andar descalço? Outra coisa: eu gosto mesmo é de ler, e não ficar andando por aí. Me deixa numa biblioteca e eu dispenso os amanheceres. Brincar com as crianças? Só se for de cabra cega.